... na literatura japonesa.


O livro que estou lendo no momento é de Yasunari Kawabata, "O som da Montanha". Junto com o "País da Neves" e "Mil Tsurus" forma a "trilogia dos sentimentos humanos" do autor, famoso pela habilidade em descrever os sentimentos humanos, em especial femininos, criando imagens não convencionais com metáfororas sensorialistas.É famoso também por ser obcecado pelo mundo feminino, pelo tema da sexualidade e pela morte.
Kawabata é um dos meus autores preferidos, mas sei q não tenho a habilidade nem o conhecimento necessários pra fazer um texto mais profundo sobre o autor no momento...talvez seja um projeto pro futuro, (・ω・)/
Uma das passagens de yukiguni se tornou uma das minhas favoritas, acho a narrativa fantástica. É o trecho em que a personagem principal, dentro do trem em direção ao país das neves observa o reflexo na janela da mulher sentada à sua frente, que cuida do marido aparentemente muito doente. A dedicação da mulher sensibiliza a personagem, que imagina ao ver o reflexo dela na janela, em meio à paisagem do lado de fora do trem, que o rosto da mulher está no meio de chamas. Kawabata cria muitas cenas incríveis como essa e as vezes fico pensando que seria muito bom se fizessem um filme sobre algumas dessas obras, respeitando, claro , os efeitos visuais que compõe a narrativa. Se bem que pra um ocidental acostumado com filmes hollywoodianos um filme desses deve ser uma chatisse 8D.

Em o "Som da Montanha" não faltam cenas de extrema sensilbilidade e a narrativa cria cenários belíssimos... mas tive a sorte de comprar um exemplar COM PAGINAS EM BRANCO. Vou ter que ligar pra Estação Liberdade e pedir um exemplar novo Oo。。( ̄¬ ̄*)

Assim como milhares de outras obras japonesas um dos temas abordados no "som da..." é a infidelidade do marido. Algumas obras falam de casos extra-cojugais com tamanha naturalidade que se torna impossivel julgar a conduta da personagem. Em "há quem prefira urtigas" de Jun'ichiro Tanizaki, a infidelidade, nesse caso da esposa, é vista com tanta naturalidade que o marido chega a tomar decisões respeitando os dias e horários em que a esposa sai para ver o amante. A intenção do autor, nesse caso é criticar não o ato infiel, mas a passividade do casal que não tem coragem de oficialmente tomar uma decisão que na pratica já foi tomada consensualmente há muito tempo. Há também a crítica ao próprio matrimônio. Essa é uma das poucas obras que li em que a esposa é infiel, na grande maioria o infiel é o marido e as amantes costumam ter origem nas áreas de prazeres, como ocorre na "crônica da estação das chuvas", de Nagai Kafu, por exemplo, onde a personagem principal é uma garçonete que passou pelo mundo da prostituição, amante de um escritor famoso que não se conforma com o desleixo e o ar despreocupado da garçonete. No "país da neves", a personagem principal é também um escritor que vai ao país das neves procurando a amante, uma geisha. Em o "som da ..." a personagem principal se preocupa com o filho que trai a nora pela qual nutre um grande carinho, e se considera incompetente por não conseguir resolver os problemas conjungais dos filhos e proteger a jovem nora.
Em grande parte das narrativas, o homem procura por prostitutas, geishas, mulheres do mundo do entretenimento em geral, mulheres que tem um conhecimento mais profundo sobre os prazeres sexuais. Diante disso, um leitor ocidental pode muito bem questionar o significado do casamento para a sociedade japonesa assim como a sua moralidade.
Nessa literatura é bastante comum também as mulheres traídas serem apresentadas como boas e que sofrem com a espera do marido que volta tarde por estar se embebedando com a amante, mas essas mulheres raramente partem para o confronto, permanecem caladas, humilhadas e continuam com seus afazeres diários por respeito à família e também por medo da rejeição oficial. E a amante é representada ora como prostituta /depravada ora como sofredora, que se apaixonou por um homem casado e com família.

Acho complicado formar uma opinião sobre o assunto, visto que não sou exatamente ocidental, que pensa dentro dos parâmetros cristãos mas também não faço parte da sociedade japonesa. É fato que para os japoneses casamento ainda é visto como um tipo de contrato, uma segurança pra que não se envelheça sozinho e a infidelidade masculina é geralmente aceita e perdoada sem grandes crises[afinal, quantos não são os salaryman que dão uns pulinhos aos hostess club para..."tratar de negócios"?]. Esse costume de frequentar o mundo do entretenimento é bem antigo, vale a pena lembrar a peça do "Duplo suididio em Amijima", escrita por Chikamatsu Monzaemon para o teatro de bonecos -Bunraku- em que o marido infiél jura cometer suicidio duplo com a amante e, ao descobrir o juramento a esposa pede para a amante impedir o marido. Essa cumplicidade entre amante e esposa é incrível para um ocidental, qualquer esposa brasileira iria dar uns tapas na amante do marido, sem dúvida 8D

É interessante notar como diferentes sociedades lidam com a questão da infidelidadee o casamento. Para a maioria dos ocidentais, o sexo extraconjugal é o grau mais alto de infidelidade enquanto para a sociedade japonesa o ato sexual em si fora do casamento não seja a pior parte da infidelidade, o pior talvez seria a existência da amante interferir nas finanças e na reputação/organização da familia[?]. Dá pra notar claramente que a orientação religiosa está por trás da noção de infidelidade ocidental e me parece que os japoneses seguem uma lógica mais...racional? Funcional?

Acho q vale a pena pensar mais sobre o assunto...


os livros citados aqui tem tradução para o português. Os do Kawabata e o Nagai Kafu são da Estação Libertade, do Tanizaki se não me engano é da companhia das letras.

Shinju ten no Amijima está disponível em DVD pela Magno Opus, o filme é de Masahiro Shinoda, de 1969