And hocus pocus try to focus but I can't see.
Escrevo em linhas tortas, vago por linhas tortas, cada passo vacilante, trôpego, afundando-se por poças de lama e respingos mancham muito mais do que o bico dos sapatos. Não vejo a hora de acabar com o sofrimento diário, de poder despertar um único dia e olhar através da minha janela, encarar o horizonte e ter a percepção certeira de algo vindo para mim. Algo meu, algo que fiz por merecer vindo a uma velocidade estrondosa, pronta para colidir com meu corpo mais apreensivo que inerte. Os olhos estavam num estado entre semi-cerrados, entreabertos, quase fechados ou espremidos, tudo dependia do ponto de vista. Atirado sem qualquer cuidado por sobre o sofá da sala, estendia-se quase sem vida; talvez fosse um artifício estúpido da mente, mais uma peça pregada pelas ilusões mais bem criadas pelos neurônios. Foi o som do farfalhar de roupas roçando-se e de ossos estalando-se que enfim resolvera abrir as vistas de uma vez sem meio termos. Aliás, odiava o simbolismo de metades, coisas incompletas que necessitavam quase vitalmente de algo, alguém, para torná-las inteiras. Será que a vida tinha de girar em torno de toda a problemática de estar ligado umbilicalmente a uma outra pessoa para suprir-lhe as necessidades de alimento e conforto? Parecia quase idiótico depender de quem quer que fosse além de si mesmo. Quando os olhos conseguiram adquirir alguma autonomia e foco, pôde distinguir o monte formado adiante no piso liso e coberto por nada além de alguns panos amarrotados, formando uma espécie de ninho desajeitado, desconjuntado como o próprio habitante da tragédia de tecidos. Estava prestes a estender a mão para com dedos ainda trêmulos e incertos tentar tocá-lo, mas fora atingido de supetão por flashes desgovernados e erráticos em seu córtex, algo que poderia agora dar algum sentido a toda a situação ali construída. O homem ocupante do piso na sala era ninguém menos que o velho amigo de infância. Tinham bebido até perder as estribeiras, porque ah...Tinha levado um pé na bunda de sua namorada aspirante a modelo e atriz, loira e com seios magníficos na noite anterior. Por que tinha iludido-se com tanta força a respeito dela? Quer dizer, a despeito de alguns poucos momentos de intimidade, que não sabia muito bem se podia assim chamar, não tinham tanto em comum. Ele era um recém-formado em literatura tentando a sorte na cidade grande, sobrevivendo as custas de empréstimos custosos no banco, passando sorrateiro como parasita de emprego em emprego até ser dispensado lastimosamente, todos em sua maioria temporários ou empreitadas arriscadas demais para terem qualquer sucesso para começo de conversa. Retornando a uma noite ainda borrada como as marcas estranhíssimas visíveis pelo corpo com a adição da iluminação natural embrenhando-se por entre os poros nada hesitantes das persianas, celebrou em silêncio o fato de estar vivo e a salvo, tirando alguns erros de percurso, se assim pudesse ou devesse considerar. Más decisões. A vida inteira efetivamente tinha sido uma péssima decisão, ha ha ha.E antes de poder sair do transe de introspecção no qual tinha se auto convidado, o amigo moveu-se e com a discrição de um felino, a leveza e maleabilidade, escorregou para ocupar o posto ao lado de K.